Hoje, 18 de junho de 2010, morreu José Saramago, provavelmente o maior ficcionista do planeta da sua e das gerações posteriores, e o mais premiado escritor da língua portuguesa de todos os tempos. É curioso como a morte de um gênio mexe com a nossa atitude diante da sua obra; porém, é essa obra que está aí para mexer com a nossa atitude diante de nós mesmos, e seria mais humano se isso acontecesse enquanto o autor da obra ainda vive... É bem melhor ter ídolos vivos, com quem podemos ter uma chance, ainda que remota, de interagir, elogiar, agradecer! Minha relação com a obra de Saramago, até hoje, foi importante, mas um pouco reprimida, lenta e tardia, e é sobre essa relação que vou escrever um pouco, como homenagem e em função da inquietação que a notícia causou-me.
Em 1998 Saramago ganhou o prêmio Nobel, só que pra nós, aqui no Brasil, isso repercutiu bem menos do que deveria, considerando que ele foi o primeiro premiado cujos textos originais poderiam ser inteiramente compreendidos sem precisar de tradução! Ah, mas não era bem assim: compreendê-lo exigiria bem mais do que simplesmente ler, como fui perceber alguns anos mais tarde. Em 2001, quando entrei na faculdade de Letras (UEPG), fui procurar um livro dele na biblioteca da Universidade: ainda não havia nenhum! Em 2004 tive Literatura Portuguesa com a professora Silvana Oliveira, e o livro que analisamos foi “Memórias do Convento”, considerado o segundo grande romance do escritor. Puta confusão aquela narrativa épica em tempo presente, com vírgulas no lugar de parágrafos/travessões e pontuações afins, e pior ainda porque o meu exemplar era a cópia do xerox do cúmulo do facsímile, e literalmente eu tinha que decifrar alguns trechos borrados ou apagadinhos. Mesmo assim, no finalzinho do prazo antes do debate mergulhei no texto e, confesso que pulando alguns trechos, acostumei com a narrativa e voei junto com o padre Bartolomeu de Gusmão, Baltasar e Blimunda em sua aventura aérea cheia de analogias, homenagens e paródias: “Se não abrirmos a vela, continuaremos a subir, onde iremos parar, talvez ao sol”.
Depois disso, mais um longo jejum até que Fernando Meirelles lançou sua segunda obra prima no cinema (a primeira foi Cidade de Deus), adaptando a obra “Ensaio sobre a cegueira” do Saramago, um dos filmes de ficção científica que mais me impressionou pela qualidade da narrativa; e olha que sou um devorador do gênero no cinema! Nesse momento Saramago voltava às discussões, à mídia, e com a ênfase na genialidade de sua obra aproveitei a primeira oportunidade que apareceu pra ler, finalmente, a sua obra que mais me despertava a curiosidade desde os anos 90: O evangelho segundo Jesus Cristo. Devorei o livro em duas semanas, no ano passado, e logo comecei a escrever a respeito. Mas aí eu quase já não estava mais postando textos na internet, porque fiquei um bom tempo sem conexão e desanimei; além disso escrever sobre “O evangelho...” implicava escrever sobre religião, e sobre a minha relação com o cristianismo, um assunto muito caro, complexo, que adoro discutir mas, quando se escreve para um público amplo, é preciso, antes, dialogar muito bem com a nossa própria experiência... e minha crítica parou no segundo parágrafo.
Hoje de manhã, levantei da cama com vontade de escrever, e começava a buscar no labirinto de fantasias uma ficção para um desses concursos de contos que minha amiga Thaty Marcondes fica divulgando no twitter; mas os problemas mais urgentes tomaram a minha mente, e já diante do computador conectado, fechei a página de notícias que se abria com a manchete bem grande sobre o jogo entre Alemanha e Sérvia que acontecia pela Copa da África do Sul, sem olhar mais nada, e iniciei uma busca no google por respostas a um problema técnico no computador da minha namorada. Quando finalmente cansei de ler tutoriais e discussões sobre softwares e hardwares, olhei para a janelinha do twitter onde duas pessoas haviam escrito o nome Saramago. Movendo a barrinha, vi que eram muitas pessoas, muitas mensagens. O grande gênio vivo da literatura portuguesa, e da literatura em língua portuguesa, não estava mais vivo. E é por isso que estou escrevendo hoje sobre Saramago, atrasando compromissos mais, ou menos importantes, e já recomecei a escrever a reflexão sobre ‘O evangelho segundo Jesus Cristo’ e sobre o cristianismo em si, texto que espero retomar e postar aqui em breve; porque o escritor TEM que escrever, em alguns momentos a força das idéias é mais forte do que tudo, até dói, e não importa tanto quem vai ler, ou quando, e se o que ele escreve vai obrigá-lo a sair do país ou gerar críticas terríveis sobre a sua pessoa... Saramago não se calou desde que descobriu que a palavra era a sua contribuição para desconstruir o mundo opressor e pouco racional que construímos através do poder econômico, do mau uso da religião; ou ao menos desconcertar nossas idéias, é o que ele fazia, faz através da obra que não morre, e é o que aconteceu comigo quando li “O evangelho...” e assisti o “Ensaio sobre a cegueira”: desconcertado, idéias desconstruídas, e vocês podem não acreditar, mas ler Saramago e suas contundentes ironias sobre a torpeza religiosa e a falência moral da sociedade ajudou a aumentar a minha esperança e até mesmo minha fé num Deus que continua atualizando suas escrituras, ou seu blog; e como dizem que Deus escreve certo por linhas tortas, Ele também pode escrever sem travessões e pontos de interrogação, através de um homem que não se parece muito com um profeta, mas que como muitos profetas foi ameaçado, banido de seu país por escrever que o Deus que cultuamos pode ser, muitas vezes, o grande Demônio da crueldade humana. E temos aí apenas um dos vários grandes e importantes pontos de interrogação deixados pelo homem José Saramago, mortal, em sua obra imortal!
Em 1998 Saramago ganhou o prêmio Nobel, só que pra nós, aqui no Brasil, isso repercutiu bem menos do que deveria, considerando que ele foi o primeiro premiado cujos textos originais poderiam ser inteiramente compreendidos sem precisar de tradução! Ah, mas não era bem assim: compreendê-lo exigiria bem mais do que simplesmente ler, como fui perceber alguns anos mais tarde. Em 2001, quando entrei na faculdade de Letras (UEPG), fui procurar um livro dele na biblioteca da Universidade: ainda não havia nenhum! Em 2004 tive Literatura Portuguesa com a professora Silvana Oliveira, e o livro que analisamos foi “Memórias do Convento”, considerado o segundo grande romance do escritor. Puta confusão aquela narrativa épica em tempo presente, com vírgulas no lugar de parágrafos/travessões e pontuações afins, e pior ainda porque o meu exemplar era a cópia do xerox do cúmulo do facsímile, e literalmente eu tinha que decifrar alguns trechos borrados ou apagadinhos. Mesmo assim, no finalzinho do prazo antes do debate mergulhei no texto e, confesso que pulando alguns trechos, acostumei com a narrativa e voei junto com o padre Bartolomeu de Gusmão, Baltasar e Blimunda em sua aventura aérea cheia de analogias, homenagens e paródias: “Se não abrirmos a vela, continuaremos a subir, onde iremos parar, talvez ao sol”.
Depois disso, mais um longo jejum até que Fernando Meirelles lançou sua segunda obra prima no cinema (a primeira foi Cidade de Deus), adaptando a obra “Ensaio sobre a cegueira” do Saramago, um dos filmes de ficção científica que mais me impressionou pela qualidade da narrativa; e olha que sou um devorador do gênero no cinema! Nesse momento Saramago voltava às discussões, à mídia, e com a ênfase na genialidade de sua obra aproveitei a primeira oportunidade que apareceu pra ler, finalmente, a sua obra que mais me despertava a curiosidade desde os anos 90: O evangelho segundo Jesus Cristo. Devorei o livro em duas semanas, no ano passado, e logo comecei a escrever a respeito. Mas aí eu quase já não estava mais postando textos na internet, porque fiquei um bom tempo sem conexão e desanimei; além disso escrever sobre “O evangelho...” implicava escrever sobre religião, e sobre a minha relação com o cristianismo, um assunto muito caro, complexo, que adoro discutir mas, quando se escreve para um público amplo, é preciso, antes, dialogar muito bem com a nossa própria experiência... e minha crítica parou no segundo parágrafo.
Hoje de manhã, levantei da cama com vontade de escrever, e começava a buscar no labirinto de fantasias uma ficção para um desses concursos de contos que minha amiga Thaty Marcondes fica divulgando no twitter; mas os problemas mais urgentes tomaram a minha mente, e já diante do computador conectado, fechei a página de notícias que se abria com a manchete bem grande sobre o jogo entre Alemanha e Sérvia que acontecia pela Copa da África do Sul, sem olhar mais nada, e iniciei uma busca no google por respostas a um problema técnico no computador da minha namorada. Quando finalmente cansei de ler tutoriais e discussões sobre softwares e hardwares, olhei para a janelinha do twitter onde duas pessoas haviam escrito o nome Saramago. Movendo a barrinha, vi que eram muitas pessoas, muitas mensagens. O grande gênio vivo da literatura portuguesa, e da literatura em língua portuguesa, não estava mais vivo. E é por isso que estou escrevendo hoje sobre Saramago, atrasando compromissos mais, ou menos importantes, e já recomecei a escrever a reflexão sobre ‘O evangelho segundo Jesus Cristo’ e sobre o cristianismo em si, texto que espero retomar e postar aqui em breve; porque o escritor TEM que escrever, em alguns momentos a força das idéias é mais forte do que tudo, até dói, e não importa tanto quem vai ler, ou quando, e se o que ele escreve vai obrigá-lo a sair do país ou gerar críticas terríveis sobre a sua pessoa... Saramago não se calou desde que descobriu que a palavra era a sua contribuição para desconstruir o mundo opressor e pouco racional que construímos através do poder econômico, do mau uso da religião; ou ao menos desconcertar nossas idéias, é o que ele fazia, faz através da obra que não morre, e é o que aconteceu comigo quando li “O evangelho...” e assisti o “Ensaio sobre a cegueira”: desconcertado, idéias desconstruídas, e vocês podem não acreditar, mas ler Saramago e suas contundentes ironias sobre a torpeza religiosa e a falência moral da sociedade ajudou a aumentar a minha esperança e até mesmo minha fé num Deus que continua atualizando suas escrituras, ou seu blog; e como dizem que Deus escreve certo por linhas tortas, Ele também pode escrever sem travessões e pontos de interrogação, através de um homem que não se parece muito com um profeta, mas que como muitos profetas foi ameaçado, banido de seu país por escrever que o Deus que cultuamos pode ser, muitas vezes, o grande Demônio da crueldade humana. E temos aí apenas um dos vários grandes e importantes pontos de interrogação deixados pelo homem José Saramago, mortal, em sua obra imortal!
Um comentário:
Ensaio sobre a cegueira, ficção científica?
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