Olá, pessoal. estou iniciando hoje este blog, um projeto antigo que foi adiado por falta de tempo e de condições práticas, já que moro e trabalho numa chácara longe do acesso à internet rápida; mesmo com as limitações, inicio hoje o blog
Erê catu com a proposta e o compromisso de atualizá-lo mais ou menos duas vez por semana, pra falar sobre quadrinhos, cinema, literatura; arte, enfim, muita arte!!!!!
Erick Artmann
O primeiro artigo, ou ensaio, se preferir, é uma breve e oportuna reflexão sobre o filme "Eu, robô", q será exibido nesta segunda, 17 de dezembro, pela primeira vez na tv aberta (Globo, 22h, em 'Tela quente').
EU ROBÔ: mais um clássico da "história do futuro"?!
“Sugerido pelo livro de Isaac Asimov”, conforme consta nos créditos finais, o filme “Eu, robô”, dirigido por Alex Proyas e lançado em 2004 utiliza-se de conceitos, características e personagens apresentados por Isaac Asimov na coletânea de contos do livro homônimo para contar uma outra história, escrita por Jeff Vintar e Akiva Goldsman de uma forma semelhante (e também inversa) ao que fizeram escritores como Ann C. Crispin, Jean Lorrah e M.S. Murdock nos anos 80 e 90 quando escreveram romances baseados na série de TV e de cinema Star Trek. Além disso, é evidente que o diretor Proyas e seus produtores preferiram dar um ritmo frenético ao filme, privilegiando a ação e ingredientes “policiais” tão típicos de Hollywood. Feitas essas ressalvas, o que tenho a afirmar é que “Eu, robô” é uma das melhores aventuras futuristas produzidas pelo cinema nesta década! A trama é simplesmente genial, os efeitos visuais são convincentes (e alguns espetaculares), gerando cenários urbanos onde os robôs aparecem bem adaptados, convivendo naturalmente (mas apenas profissional, e não socialmente, conforme se apresenta o contexto) com as pessoas; e Will Smith repete uma excelente interpretação como protagonista de um gênero de ação e aventura mais sério do que os MIBs e IDs da vida, como já o tínhamos visto em “Inimigo de Estado”.
Por outro lado, apesar da liberdade de recriação de que se dispusera Proyas, sempre é bom aproveitar as oportunidades que surgem pra refletir sobre o universo fabuloso de Asimov, a própria literatura de ficção científica e suas versões para o cinema. Assim, não há como não comparar esta com a outra grande adaptação de Asimov, “O homem bicentenário”, de Chris Columbus (1999), onde o robô Andrew é o protagonista principal, interpretado por Robin Williams. Ambas ótimas produções, ambas são aventuras, uma mais filosófica e até “comovente”, outra mais adrenalina, mas ainda assim filosófica como toda boa obra de ficção científica o é, seja na literatura ou no cinema. Agora, se imaginarmos que a extensa bibliografia de Asimov de ficções sobre robôs se passa toda em único universo fantástico, que culminará com as grandiosas sagas Fundação e Império Galáctico, avançando radicalmente a um futuro de conquistas tecnológicas e espaciais, chama-nos a atenção algumas importantes diferenças nas formas como o século XXI é retratado em ambos os filmes: por exemplo, em “Eu, robô”, os robôs são padronizados, fabricados em séries homogênicas (NS-4, NS-5...) e por isso acho que só vemos dois, talvez três modelos de robôs humanóides, bem menos do que vimos em “o homem bicentenário”. E, é claro, os andróides do filme de Proyas já são produzidos apenas em computação gráfica, e o ator Alan Tudyk representa o robô Sonny apenas através da voz e de gestos que foram digitalizados, sem as expressões faciais que deram o charme especial do ator Robin Williams ao personagem Andrew. Mas além das diferenças óbvias apresentadas pelas duas produções diferenciadas no cinema, que definitivamente não estão interligadas entre si (uma é da Fox, outra da Columbia), é importante observarmos a cronologia em que as histórias originais foram escritas: o conto "The Bicentennial Man" foi publicado em 1976 e mais tarde transformado em romance em parceria com Robert Silverberg (The Positronic Man, 1993); já I, robot é um livro de contos publicado em 1950, um ano antes do primeiro romance da série ‘Fundação’; aqui aparecem, pela primeira vez, as três leis da robótica, que são citadas em ambos os filmes e em tantas histórias originais de diferentes sagas assimovianas; ou seja, a ligação entre as obras originais de Asimov muitas vezes é mais sutil, indireta, como ocorre com os contos que compõe o livro em questão.
Mais importante do que buscar diferenças ou semelhanças entre as obras escritas e filmadas, talvez seja realmente questionar como a mensagem idealizada e o próprio pensamento do autor em relação aos temas explorados são transportados aos filmes; e embora eu não seja um leitor incondicional de Asimov, como fã e estudioso do gênero Ficção Científica na literatura e no cinema, posso ao menos sugerir que as grandes questões levantadas por Asimov em suas obras estão presentes, talvez mais ainda no frenético “Eu, robô” do que no poético e belíssimo “O homem bicentenário”: afinal, além da eterna questão que é ‘a humanização do robô, o complexo de pinóquio, o desenvolvimento das emoções pelas máquinas e o medo humano de ser por elas escravizado ou mesmo superado’, Asimov, de origem russa, sempre descreveu (ou recriou, de forma fantástica) e questionou as revoluções políticas e culturais das sociedades humanas, bem como chamou a atenção ao fato de que as inteligências artificiais acabariam interferindo no controle comercial, social e político (esse tema já é apresentado no último conto do livro de 1950). Pois bem, o filme de Proyas adiciona uma reflexão sobre a revolução das máquinas, relacionada de forma genial, irônica e quase subliminar à revolução russa...
Assim, temos o personagem Alfred Lanning (note que pronuncia-se “Lenin”), criador das primeiras tecnologias e também das três leis, que no filme resolve “brincar de Deus” jogando com o futuro da humanidade em seu relacionamento com as máquinas inteligentes; ironicamente, este personagem não aparecerá vivo no filme, pois as jogadas que ele antecipa iniciam-se justamente com a sua morte. Além da busca pela libertação, o preconceito é outro tema tratado no filme, também de forma irônica, mas... não vou contar tudo já que existe alguma chance de que você esteja lendo este artigo antes de assistir o filme! Há também os desafios lógicos, verdadeiros quebra-cabeças detetivescos que Asimov colocava diante de seus personagens e do próprio leitor, que estão presentes no filme, por exemplo, na forma como o detetive Spooner (Will) segue as “migalhas de pão” e na gravação deixada por Lanning, insistindo que o detetive deveria fazer “a pergunta certa”! Agora, entre os personagens, talvez as melhores caracterizações estejam justamente na “psicóloga de robôs” Susan Calvin (Bridget Monayhan) e no próprio robô Sonny. Sonny não existe no livro (ainda que levemente inspirado no personagem “Speedy”), ele é o robô “único”, que representa o velho conceito do complexo de pinóquio, e lembra-nos personagens clássicos como o próprio Andrew de “O homem Bicentenário” e o andróide Data de Star Trek – nex generation; e embora seja representado visualmente apenas em computação gráfica, possui um charme bastante original, cujos créditos devem ser divididos entre a equipe que produziu os efeitos visuais e o ator Alan Tudyk, que fez a voz e os movimentos que serviriam de modelo para a versão final digital. Já Susan é a personagem que representa o oposto do desejo de um robô de desenvolver emoções; no livro, ela é descrita como “uma jovem fria, de feições comuns e desprovida de encanto, que tratava de proteger-se contra um mundo do qual não gostava, por meio de um semblante inexpressivo e de uma inteligência hipertrofiada.” No filme, tais características são apresentadas de maneira sutil, evitando qualquer exagero que pudesse resultar numa personagem caricata ou mesmo inexpressiva; e assim, temos a bela dra. Calvin do cinema, que em alguns momentos parece despretensiosamente homenagear o mais importante personagem da ficção científica que deliberadamente trocava suas emoções pela lógica: o saudoso Spock de Leonard Nimoy!
Alguns fãs de Asimov reclamam que há poucas adaptações de seus livros para o cinema, quando comparado por exemplo a Philip K. Dick; outros comemoram, considerando as possíveis decepções com as mudanças que a transposição das histórias podem sofrer, e nesse caso também se pode utilizar o exemplo do genial autor de “Androids dream of eletric sheep”, romance que deu origem ao grandioso filme “Blade Runner”, lançado em 1982, pouco depois da morte de Dick. Nesta produção fabulosa, o diretor Ridley Scott assumidamente recriou a história de Dick, e assim abriu precedente para um infindável número de adaptações de sua obra, umas “mais ou menos” fiéis (como “o homem duplo” e “o impostor”), outras “muito menos” (como “O vingador do futuro”, protagonizado por Shwarzenegger). Curiosamente, o caso mais polêmico envolvendo a obra de Dick talvez seja justamente o filme Dark city (“cidade das Sombras”) do mesmo diretor de “Eu, robô”, Alex Proyas. É que Cidade das Sombras é muito, muito parecido (ao menos até a metade) com uma história de Philip K. Dick, Time Out of Joint; provavelmente foi inspirado nele, mas não há nenhuma referência nos créditos. O tema presente em Cidade das Sombras, por sua vez, inspirou outros filmes de ficção científica posteriores, como o 13° Andar, Matrix e A Vila, e apenas os fãs de Dick sabem que ele já era assombrado pelo medo de viver numa falsa realidade, desde os anos 50. Neste aspecto, pelo menos desta vez Alexandre Proyas não pisou na bola, realizando uma boa e atualíssima versão cinematográfica, não do livro de Isaac Asimov, mas do universo conceitual nele descrito, utilizando seus personagens e tramas originais para contar um novo episódio; ou seja, seguiu ótimas sugestões (ou “inspirações”, como queiram traduzir)... sem omitir o autor e a origem delas! Sem dúvida, novas versões de Asimov virão, e a trilogia ‘Fundação’ deverá ser um dos mais cobiçados e ousados projetos de Hollywood para a próxima década!