Desde criança, no início dos anos 80, o PT é o partido com o qual simpatizei, influenciado pela militância de minha irmã mais velha que, já na faculdade, participou daquele grupo inicial petista em minha cidade, nos tempos do presidente general João Batista Figueiredo. E desde então o PT sempre fora marginalizado, alvo de comentários preconceituosos tanto na imprensa quanto na boataria que trabalhava a favor da manutenção dos velhos modelos de direita, defendendo família, propriedade, ordem e submissão popular. E em épocas de eleições municipais e estaduais eu sempre ficava muito triste com o fraco desempenho nas urnas daquele partido que simbolizava sonhos de um país mais justo; e meu coração se animava com bons resultados colhidos mais longe, como a eleição de alguns deputados e prefeitos de desconhecidas cidades de interior (lembrando que os prefeitos das capitais ainda eram nomeados pelo próprio governo militar). E ao menos nas retas finais de campanhas, de uma forma ou outra eu também militava.
Desde a adolescência, porém, eu via alguns aspectos do modelo petista com uma visão mais crítica, especialmente alguns exageros nas lutas sindicais (que hoje compreendo melhor em suas razões e tradições), e a falta de mais ênfase em propostas ambientalistas, omissão que acabou gerando o PV brasileiro, um dos primeiros rebentos do Partido dos Trabalhadores. Os tempos foram mudando e o PT também: passou a aceitar coligações, conchavos, práticas de campanhas mais tradicionais, e por fim corrompeu-se. Já faz algumas eleições que meus votos são divididos com candidatos de outros partidos de esquerda ou centro (como o próprio PV). E veio o governo federal petista, com Lula e Dilma (ela que naqueles tempos onde comecei a acompanhar a política era filiada ao partido de outro líder de esquerda, o PDT de Leonel Brizola), repleto de contraditórias emoções: de orgulho pelas conquistas (que nem preciso mencionar aqui) e revolta ou mesmo vergonha por equívocos e políticas onde deixou a desejar.
Assim, no primeiro turno não votei em Dilma, mas no verde Eduardo Jorge, e quase me arrependo depois de ver a sua atitude de apoio ao candidato da reação da direita. “Quase” porque se alguém há de realmente arrepender-se acredito que seja o próprio ex-candidato, o que talvez já tenha acontecido depois de ver discursos do seu novo aliado onde este prega, por exemplo, a intensificação da repressão ao tráfico e consumo de drogas (parecido com o que diz também a Dilma), bem diferente da proposta do Partido Verde defendida pelo médico e líder ambientalista.
De qualquer forma, surpreendeu-me também o apoio de diversas pessoas famosas legais ao candidato da direita; e é preciso reconhecer que o seu grupo fez uma grande e fortíssima campanha, revertendo tendências de dois meses atrás onde ele sequer indicava chegar aos segundo turno. Esse Aécio, afinal, tem muitos amigos e eu acho que não nos cabe julgá-lo por suas condutas pessoais, mesmo que seja verdade que bateu numa namorada há alguns anos (o que seria apenas um problema para a Justiça caso a moça em questão tivesse dado queixa ou aberto processo) e nem mesmo por ele ter sido pego numa blitz com a carteira de motorista vencida e em seguida se recusado a fazer o teste do bafômetro; digamos que qualquer um de nós poderia ter cometrido esse deslize e todos temos o direito ao arrependimento.
O que está em jogo nessa eleição, portanto, não são as atitudes pessoais de ambos os candidatos, e nem mesmo as propostas que parecem meras promessas sem que seja detalhado como e quando serão cumpridas. São os projetos, tendências, e os compromissos assumidos com quem não apenas apóia mas constrói cada uma das campanhas. Aécio representa um projeto, como a própria Marina Silva afirmou; mas esse projeto tem origem e interesse não em idealismos em favor do ser humano, ou de um futuro sustentável e justo como a líder ambientalista gostaria, mas em grupos de poder, em objetivos de assimiladores de poder econômico de larga escala como grandes empresas e organizações internacionais que visam apenas lucro; e “grandes” é "grandes” mesmo: pra se ter apenas um rápido exemplo, recentemente o site estadunidense de economia Bloomberg publicou uma matéria divulgando, para seus leitores interessados, simplesmente o compromisso assumido por Aécio Neves de leiloar o direito de exploração do nosso petróleo e afirmava que as maiores beneficiadas seriam as empresas privadas norte-americanas Shell e Halliburton. Traduzindo um trechinho literalmente: “O candidato da oposição Aécio Neves promete leiloar licenças de exploração com mais frequência, aumentar os preços dos combustíveis e facilitar o processo legal e burocrático para as Petroleiras estrangeiras. Neves, cujo partido PSDB abriu o petróleo para as petroleiras estrangeiras no final dos anos 90, surpreendeu os analistas ao ficar em segundo lugar na votação 05 de outubro e forçar um segundo turno eleitoral.” É bom atentar para o fato de que essa promessa do Aécio não foi divulgada na sua propaganda eleitoral para a população, assim como a frase do seu candidato a ministro da fazenda (que Aécio Neves não desmentiu que é seu escolhido em nenhum momento, porque deve ter assumido o compromisso por algum acordo) que diz que iria sobrar “muito pouco” dos bancos públicos no final de sua gestão também fazia parte de alguma entrevista dada por ele de forma descuidada, depois o áudio foi disponibilizado em diversos sites (como aqui) mas a frase nunca foi devidamente explicada nos programas do candidato tucano.
O PSDB é o partido que representa os detentores do poder econômico e como já fez nos tempos do Fernando Henrique Cardoso, tem intenção de privatizar, ou seja, transformar as empresas públicas, que pertencem ao país, em privadas, sem observar as razões, metas, história pelas quais essas empresas foram construídas e geridas pelo poder público. Não é o caso de defender a iniciativa privada, coisa que o PT também faz e às vezes até demais; não é o caso de incentivar a criação e o crescimento de novas empresas privadas, e também não é o caso de abrir o mercado para importações e exportações. Privatizar na ideologia elitista e ao mesmo tempo submissa desse partido significa vender, a preços meramente simbólicos, empresas que pertencem e servem ao povo: nem sempre tão bem, verdade, até por suas trajetórias ao longo de décadas de governos militares e/ou corrompidos, mas nada que não possa ser consertado por governos competentes que tenham preocupações com infra-estrutura e autonomia, e o PT, acredito, é o que mais se aproxima desse caminho em todos os governos federais que já conheci.
Nada do que foi privatizado no governo FHC ficou melhor do que era: as ferrovias, dominadas agora por empresas como a América Latina Logística, ficaram lamentavelmente sucateadas e só começaram a melhorar recentemente com novos investimentos estatais do governo Dilma. Aqui pertinho da minha casa tem uma estrada de ferro que não recebeu nenhuma manutenção nos primeiros anos depois da privatização (embora continuasse em uso): os dormentos apodreceram, alguns trechos começaram a afundar, o óleo queimado das máquinas velhas aumentava e parecia sempre uma questão de tempo até que um trem descarrilasse bem aqui nessa curva, como aconteceu em diversos outros trechos dessa e de outras ferrovias no Paraná, causando inclusive prejuízos sérios ao meio-ambiente.
As auto-estradas paranaenses têm pedágios caríssimos, é muito difícil ouvir alguém concordando com esses valores; e vejam só: a BR 277, no trecho de 100 KM que liga minha cidade, Ponta Grossa, à capital Curitiba, tinha acabado de ter a sua duplicação concluída pelo governo, depois de uma espera de décadas, quando foi privatizada em 1997 e os usuários passaram a pagar um pedágio caríssimo, a uma empresa particular, a Rodonorte, que apenas contruiu as praças de cobrança e
administrou a obra já concluída.
No caso da telefonia fixa é ainda pior: a antiga Telepar, depois de privatizada, mudou de nome para Brasil Telecom (como filial de uma empresa italiana que por aqui funcionou como uma espécie de máfia, até que seus crimes financeiros foram denunciados tornando-se um escândalo que muita gente já esqueceu) e recentemente Oi. Nunca funcionou melhor do que na época em que era estatal, e quando o telefone fica mudo é preciso gastar horas até conseguir registrar o defeito pelo serviço de atendimento, demoram dias pra consertar e já precisei reclamar de cobranças indevidas dezenas de vezes! Não sou contra a iniciativa privada, de modo algum, mas sou totalmente contra a venda do patrimônio brasileiro construído como tal, como empresas públicas de serviços essenciais ao povo. Manter e melhorar os bancos públicos, a Petrobrás, a Copel (Companhia Paranaense de Energia que por acaso foi mantida pública e funciona melhor do que as empresas privatizadas de São Paulo) não são objetivos de um futuro governo tucano, ao contrário. Pra mim só isso já seria motivo pra querer manter esse grupo bem longe da administração do país que eu amo. Há muitos outros motivos... mas pouco espaço aqui, pouco tempo nesse momento...
Amanhã vo(l)to ao PT: Dilma 13, pela continuidade de um país buscando sua soberania!